“É um erro grave formular teorias antes de conhecer os fatos. Sem querer, começamos a mudar os fatos para que se adaptem às teorias, em vez de formular teorias que se ajustem aos fatos.”
Sherlock HolmesEste erro é fundamental porque, se não houve pagamentos indevidos, não houve crime. Cabia ao tribunal provar dois pontos essenciais:
- Que eu não tinha direito a receber um prémio de 1,5 milhões de euros relativo ao ano de 2004.
- Que eu não tinha direito a receber uma pensão de reforma a partir dos 55 anos.
Vamos, então, por partes.
Prémio de 1,5 milhões de euros relativo a 2004
Esta foi a questão que mais contribuiu para criar uma opinião negativa contra mim. Para demonstrar o erro do tribunal, não se trata de um jogo de argumentos entre diferentes perspetivas. Basta ler a decisão do tribunal e verificar como ele chegou à conclusão de que eu não tinha direito ao prémio.
A fundamentação encontra-se na página 443 do acórdão:
“…destarte, inexistiu qualquer prémio relativo ao ano de 2004 para ser atribuído ao arguido Manuel Pinho que tenha sido lavrado em ata da Comissão de Vencimentos do BES e aprovado em Assembleia Geral em 2005 (sendo que, em regra, as assembleias gerais se realizavam no mês de abril), pelo que, desde logo, inexiste qualquer direito do arguido relativamente ao disposto na cláusula 10, alínea a) do acordo de 10.03.04.
Consequentemente, as contrapartidas financeiras recebidas pelo arguido Manuel Pinho correspondem a pagamentos ilícitos.”
Ou seja, para o tribunal, a razão pela qual eu teria recebido pagamentos indevidos é esta — e nenhuma outra.
O tribunal baseou-se na inexistência de duas atas: uma da Comissão de Vencimentos do BES e outra da Assembleia Geral do BES, alegando que a ausência de registo do prémio implica que os pagamentos foram ilícitos.
Contudo, estas atas não constam do processo nem foram apresentadas como prova no julgamento.
Se o tribunal não as tem, como pode basear-se nelas? E se as tivesse, o que delas constaria era que o BES pagou-me o que me devia. O que não poderia estar nas atas era a dívida contratual do GES, porque esta era responsabilidade de uma entidade diferente!
Ou seja, se essas atas existirem, provam exatamente o contrário do que o tribunal concluiu.
Além disso, os prémios são sempre pagos no exercício ou exercícios seguintes. Assim, em março de 2005, eu tinha, de facto, direito a receber um prémio do GES relativo a 2004, garantido contratualmente. Este prémio, no valor de 1,5 milhões de euros, não está registado nas contas do BES porque o BES e o GES eram entidades juridicamente distintas.
A única questão relevante é a forma como o pagamento foi feito no estrangeiro. Do ponto de vista criminal, isso só teria implicações pelo facto de eu não ter pago os impostos na altura devida. Isso é reprovável, mas não constitui crime, pois regularizei posteriormente os montantes em dívida.
Aliás, esta prática de pagamento no estrangeiro era extensiva a todos os administradores do BES e a vários quadros superiores.
Um caso notório é o de Miguel Natário Rio Tinto, casado com Margarida Natário, que integrava inicialmente o coletivo de juízes que nos julgou, mas se separou explicitamente para evitar que o seu património caísse na alçada dos lesados do BES.
A testemunha do divórcio foi o procurador Rui Batista, que representou o Ministério Público no nosso julgamento. Como se isso não bastasse, a desembargadora Alexandra Vieira, que está a julgar o nosso recurso no Tribunal da Relação, também é comadre da juíza Natário.
Direito à Reforma aos 55 Anos
A minha pensão de reforma é paga por um fundo de investimento privado para o qual descontei. Não é paga pela Segurança Social.
O valor da pensão foi calculado de forma independente pela sociedade gestora do fundo e autorizado formalmente pela autoridade de supervisão.
Com a falência do BES, o montante que recebo atualmente é cerca de metade do que estava estipulado.
Quanto ao direito de reformar-me aos 55 anos, este corresponde a mais de dois terços do total de pagamentos supostamente indevidos.
O tribunal ignorou que:
- Esse direito me foi concedido por escrito não uma, mas duas vezes, primeiro pelos acionistas do BES e depois confirmado pelo presidente da Comissão Executiva.
- O diferendo causado pelo incumprimento do BES foi resolvido por via negocial, com provas documentais dessa negociação.
A testemunha-chave do tribunal, José Maria Ricciardi, afirmou que, com base no acordo feito com os acionistas do BES em 2004, era legítimo eu esperar que o compromisso fosse cumprido.
Nem outra coisa se poderia esperar dos seus familiares.
O tribunal concluiu, sem provas, que os pagamentos que recebi eram ilícitos. Ignorou que o prémio de 2004 foi formalizado em contrato e que a minha reforma foi garantida de forma legítima. A ausência de atas que confirmassem o pagamento foi usada contra mim, apesar de o próprio tribunal não ter essas atas para consulta. O método de pagamento não configura crime.
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