A realidade é simples de entender e é totalmente diferente da ficção que foi criada.
Entre 1994 e 2004, fui o CFO (Chief Financial Officer) do BES, em teoria, o segundo cargo mais importante na hierarquia do banco. A minha remuneração provinha tanto do BES quanto do GES:
- No BES, recebia em Portugal.
- No GES, recebia no estrangeiro, tal como a maioria dos outros administradores e quadros superiores do grupo BES, se não todos.
Era muitíssimo bem pago. Em 2004, recebi 1,5 milhões de euros apenas em prémios do GES relativos a 2003.
É muito? Sim, é muitíssimo. Porém, o departamento que criei e dirigia produzia excelentes resultados, beneficiando acionistas, trabalhadores do BES e contribuintes. Por isso, era bem remunerado.
Ainda assim, a minha remuneração era muito inferior à que viria a ser a do meu substituto e a dos administradores do maior concorrente do BES na altura.
Acordo com o BES
Em março de 2004, os acionistas do BES decidiram substituir-me no cargo. Isso deixou-me extremamente desapontado. Como não queriam que eu fosse trabalhar para um concorrente, ofereceram-me um acordo que incluía:
- Salário líquido elevado (360.000 euros/ano).
- Prémios em linha com os que me eram pagos anteriormente.
- Direito a solicitar a reforma aos 55 anos (capítulos 2, 3 e 5).
Este tipo de acordos, conhecidos como acordos de não-concorrência, são comuns quando grandes empresas substituem altos responsáveis, mas não querem que eles trabalhem para a concorrência.
O acordo foi redigido em papel timbrado do GES e assinado por dois membros do Conselho Superior do GES. Foi também redigido e validado por advogados (José Miguel Júdice e Rui Silveira) e mostrado em primeira mão pela CNN.
Convite para o Governo
Em março de 2005, fui convidado para integrar o XVII Governo. Aceitei o convite e, voluntariamente, decidi cessar o meu vínculo com o BES, mesmo não sendo obrigado a fazê-lo.
O que me motivou?
- O desejo de retribuir ao país o que dele recebi.
- A vontade de provar a mim mesmo, à minha família e aos que me conheciam que o meu afastamento do BES foi injusto.
Porque cortei os laços com o BES?
- Estava magoado com os acionistas que me afastaram.
- Já tinha acumulado um património suficiente.
- Tinha a garantia (reafirmada duas vezes) de que receberia uma pensão de reforma aos 55 anos.
Nada de estranho nisso.
O Prémio de 2004
Em 2005, ainda tinha verbas a receber. Como em 2004 recebi um prémio relativo a 2003, era perfeitamente natural que, em 2005, recebesse um prémio relativo a 2004, acrescido de dois meses, pois já estávamos em março.
Além disso, precisava de confirmar o direito à minha pensão de reforma, que já me tinha sido garantida. Nada de estranho nisso.
Para facilitar a compreensão, imagine um treinador de futebol que ganha um campeonato em 2004 e sai do clube em 2005. Naturalmente, ele tem direito ao prémio relativo ao título conquistado no ano anterior.
Se em 2004 recebi um prémio relativo a 2003, por que motivo não teria direito ao prémio de 2004?
O Pagamento da Reforma
Em lado nenhum do mundo é proibido que um membro do governo em funções receba uma renda, pensão de reforma ou um prémio em dívida.
Os montantes que recebi do BES/GES entre 2005 e 2010 (desde que saí do BES até à resolução do pagamento da minha reforma) correspondem exatamente ao pagamento desse prémio.
Estes são os factos.
“Todos os erros humanos são fruto da impaciência. Interrupção prematura de um processo ordenado, obstáculo artificial levantado em redor de uma realidade artificial.”
Franz Kafka